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Hoje amanheceu diferente. As janelas estavam embaçadas como de costume e o orvalho cobria a grama do jardim – mas havia novidade no ar. Assim que o sol cruzou o muro e os passarinhos cantaram alvoroçados, tive certeza: a primavera está chegando!


De repente, quis sair de casa, encontrar pessoas, escrever pro blog e responder mensagens atrasadas no Whatsapp. Toda essa expansão clareou o motivo de tanta introspecção nos meses passados: era inverno. Ufa! Já estava preocupada me achando anti-social e ensimesmada demais…


Me perdoei por ter desmarcado compromissos, fugido de viagens e desejado com tanta força meu sofá. Conversas me cansavam e só queria ficar quietinha em casa com o Dudu. Até excluí o Instagram! Parecia que o mundo lá fora não cabia em mim – já estava saturada por processos internos.


Não foi um inverno fácil. Passar tanto tempo com qualquer pessoa é um desafio – principalmente quando essa pessoa é você mesma. Mergulhei demais em mim e, mais uma vez, encontrei o que se esconde lá no fundo. Momentos de autodesenvolvimento são sempre positivos, mas cansei! Estou feliz de perceber que foi só uma fase – e ansiosa por mudar de estação!


(a julgar pelas vezes que nosso sofá aparece nas fotos, dá pra imaginar onde passamos grande parte do inverno…)

Entre tosses e espirros, minha mãe vem checar como estou. Assoo o nariz e respondo que mais ou menos: o corpo dói a cabeça lateja e a garganta arranha. “Filha, tá tudo bem?”. “Médio, mãe, mas amanhã estarei 100%”. “Não isso, filha”, ela insiste, “tem alguma coisa te incomodando?”.


Mães têm esse poder de enxergar lá dentro – e, com essa pergunta, desabo num choro que nem sabia guardar. “Ando tão preocupada, mãe…”, respondo entre lágrimas e soluços. Desato a falar da pressão de ser sempre mais: de conquistar mais, de fazer mais, de ganhar mais dinheiro, de estudar mais, de viajar mais. “Mas quem está te pressionando?”, me pergunta num abraço. “Acho que eu mesma…”.


Meu pai chega e questiona o que falta na minha vida. “Não sei, pai. Tenho um trabalho que me faz feliz, uma casa que amo, um companheiro que me completa, minha família por perto, mas parece que deveria ter mais…”. “Então vai atrás de mais”, ele instiga – com aquele poder que pais têm de ir direto ao ponto. “Mas o problema é que não quero mais!”.


Eis que as nuvens se dissipam e percebo um padrão antigo: uma cobrança interna, desmedida e descabida – da criança que apagava a letra torta até a folha rasgar, da adolescente que não aceitava menos que nota nove, da adulta com medo de ser acomodada. “Tenho tudo que quero, mas não consigo aproveitar por achar que devo querer mais…”.


Mas ser acomodada é bem diferente de ser contente. E, nesse momento, eu sou contente! Talvez um dia deseje viajar mais, abrir meu próprio negócio, ganhar mais dinheiro – e, quando esse dia chegar, vou fazer o possível para que meu sonho se realize. Mas, nesse momento, já estou vivendo meu sonho – que não me fez rica nem famosa, mas muito feliz….


Por agora, quero continuar trabalhando com prazer, estudar os livros que comprei, escrever quando as palavras transbordarem, passear com minhas cachorras, cozinhar ouvindo música, cuidar da minha casa, encontrar amigos, dançar no tapete da sala, rir com minhas irmãs, conversar com meus pais e amar meu companheiro.


E quero fazer tudo isso com leveza e bom humor. Quero aceitar que tenho o suficiente pro momento e curtir o que já conquistei. Quero confiar no curso da vida – sabendo que me esforçarei para alcançar o que for. Quero pensar no futuro, mas não me preocupar com o que não chegou. E quero não precisar ficar doente para lembrar disso tudo…


“A vida é boa, filha”, finaliza meu pai com um sorriso.

É mesmo, pai.

Era uma tarde quente de janeiro de 2017. Desde manhã, tentava trabalhar num projeto que deveria ser dos meus sonhos – mas que, por algum motivo, não ia pra frente. Frustrada, levantei da escrivaninha e sentei no sofá pra assistir a um vídeo que minha irmã me mandou. Era uma palestra sobre propósito.


Há mais de um ano havia deixado meu emprego de repórter num jornal e me aventurava pelo mundo dos freelas. Ser minha própria chefe e trabalhar do conforto de casa era bacana, mas não estava feliz. Decidi arriscar e criar o trabalho perfeito: uma revista digital que falasse sobre tudo que gosto.


Fiz listas dos assuntos, das editorias, das ideias de pauta. Passei semanas matutando a linha editorial, a diagramação, o nome da revista. Quando finalmente chegou o dia de colocar em prática, telefonei pro entrevistado da primeira matéria e desanimei: não era isso que queria estar fazendo…


Foi aí que sentei no sofá e dei play na palestra. Assisti com papel e caneta e anotei algumas impressões. Aos 40 minutos, fechei o computador, fui até o escritório e anunciei pro Dudu: “já sei o que quero fazer”. Ele me olhou confuso: “ah, é?”. “Sim”, respondi, “quero trabalhar com crianças”.


Fui até a casa dos meus pais, que fica ao lado da nossa, e anunciei o mesmo: “mãe, pai, quero trabalhar com crianças”. Eles ficaram tão confusos quanto o Dudu. Expliquei brevemente como cheguei a essa conclusão e pedi pra minha mãe o telefone de uma amiga, dona de um jardim de infância Waldorf.


Liguei e marquei um encontro pro dia seguinte. Conversamos, contei minha história e ela me respondeu: “Iana, a nossa estagiária avisou que não vai mais trabalhar aqui. Vai pra casa e amanhã me diz como você se sente quanto a isso”. Dormi, acordei e liguei pra ela: “quero muito essa vaga”.


No dia seguinte, lá estava realizando meu sonho de infância: trabalhando rodeada de crianças em uma escola. Apesar de novata, me senti mais segura e preparada que em toda minha carreira de jornalista. Estar com crianças era tão natural que nada me desestabilizava: nem um choro, nem um machucado muito menos uma fralda suja.


Os dias passaram e a empolgação só aumentava. Muitas vezes questionava se era justo ser paga por algo que me fazia tão bem. Acordava todos os dias cheia de energia, e domingos à noite já não eram depressivos – agora eu ansiava pelas segundas-feiras. Então isso é trabalhar com o que se ama?


Crianças sempre foram minha paixão – desde que era uma, já me encantava estar com as ainda menores. Aos dois anos, aproveitava qualquer chance pra sair por aí com minha irmã recém-nascida no colo. Aos doze, ganhei mais uma irmã – e estar com ela e vê-la crescer era dos maiores prazeres da minha adolescência.


Anos atrás, meu pai perguntou porque na minha casa só tinham livros de arquitetura do Dudu: “onde estão os seus de jornalismo?”. Não havia nenhum – mas já havia alguns sobre educação: que agora enchem as prateleiras e preciso me controlar pra não comprar mais.


Vai fazer um ano que mudei pra outra escola Waldorf, dessa vez como auxiliar de professora. Meus companheiros são 22 crianças de três a seis anos- que não cansam de me emocionar – e uma professora – com tanta experiência e conhecimento, que cada dia com ela vale por muitos na universidade.


Trabalhar com pequenos é intenso: demanda presença, atenção e disponibilidade. Quando estou com eles, estou por inteiro, de corpo e alma. Assim como as crianças, meu aprendizado é constante e todo momento é uma oportunidade de ser melhor. Meu maior esforço é para ser digna de receber tamanha entrega, confiança e carinho que depositam em mim.


Faz pouco tempo que estou nesse novo mundo, mas, de verdade, parece que nunca houve outro… Tudo aconteceu tão rápido que não parei pra pensar onde vou chegar. Por enquanto, só quero continuar sentindo essa alegria diária de percorrer um caminho que me sinto tão honrada em trilhar.

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