top of page

contente

Entre tosses e espirros, minha mãe vem checar como estou. Assoo o nariz e respondo que mais ou menos: o corpo dói a cabeça lateja e a garganta arranha. “Filha, tá tudo bem?”. “Médio, mãe, mas amanhã estarei 100%”. “Não isso, filha”, ela insiste, “tem alguma coisa te incomodando?”.


Mães têm esse poder de enxergar lá dentro – e, com essa pergunta, desabo num choro que nem sabia guardar. “Ando tão preocupada, mãe…”, respondo entre lágrimas e soluços. Desato a falar da pressão de ser sempre mais: de conquistar mais, de fazer mais, de ganhar mais dinheiro, de estudar mais, de viajar mais. “Mas quem está te pressionando?”, me pergunta num abraço. “Acho que eu mesma…”.


Meu pai chega e questiona o que falta na minha vida. “Não sei, pai. Tenho um trabalho que me faz feliz, uma casa que amo, um companheiro que me completa, minha família por perto, mas parece que deveria ter mais…”. “Então vai atrás de mais”, ele instiga – com aquele poder que pais têm de ir direto ao ponto. “Mas o problema é que não quero mais!”.


Eis que as nuvens se dissipam e percebo um padrão antigo: uma cobrança interna, desmedida e descabida – da criança que apagava a letra torta até a folha rasgar, da adolescente que não aceitava menos que nota nove, da adulta com medo de ser acomodada. “Tenho tudo que quero, mas não consigo aproveitar por achar que devo querer mais…”.


Mas ser acomodada é bem diferente de ser contente. E, nesse momento, eu sou contente! Talvez um dia deseje viajar mais, abrir meu próprio negócio, ganhar mais dinheiro – e, quando esse dia chegar, vou fazer o possível para que meu sonho se realize. Mas, nesse momento, já estou vivendo meu sonho – que não me fez rica nem famosa, mas muito feliz….


Por agora, quero continuar trabalhando com prazer, estudar os livros que comprei, escrever quando as palavras transbordarem, passear com minhas cachorras, cozinhar ouvindo música, cuidar da minha casa, encontrar amigos, dançar no tapete da sala, rir com minhas irmãs, conversar com meus pais e amar meu companheiro.


E quero fazer tudo isso com leveza e bom humor. Quero aceitar que tenho o suficiente pro momento e curtir o que já conquistei. Quero confiar no curso da vida – sabendo que me esforçarei para alcançar o que for. Quero pensar no futuro, mas não me preocupar com o que não chegou. E quero não precisar ficar doente para lembrar disso tudo…


“A vida é boa, filha”, finaliza meu pai com um sorriso.

É mesmo, pai.

bottom of page