Era uma tarde quente de janeiro de 2017. Desde manhã, tentava trabalhar num projeto que deveria ser dos meus sonhos – mas que, por algum motivo, não ia pra frente. Frustrada, levantei da escrivaninha e sentei no sofá pra assistir a um vídeo que minha irmã me mandou. Era uma palestra sobre propósito.
Há mais de um ano havia deixado meu emprego de repórter num jornal e me aventurava pelo mundo dos freelas. Ser minha própria chefe e trabalhar do conforto de casa era bacana, mas não estava feliz. Decidi arriscar e criar o trabalho perfeito: uma revista digital que falasse sobre tudo que gosto.
Fiz listas dos assuntos, das editorias, das ideias de pauta. Passei semanas matutando a linha editorial, a diagramação, o nome da revista. Quando finalmente chegou o dia de colocar em prática, telefonei pro entrevistado da primeira matéria e desanimei: não era isso que queria estar fazendo…
Foi aí que sentei no sofá e dei play na palestra. Assisti com papel e caneta e anotei algumas impressões. Aos 40 minutos, fechei o computador, fui até o escritório e anunciei pro Dudu: “já sei o que quero fazer”. Ele me olhou confuso: “ah, é?”. “Sim”, respondi, “quero trabalhar com crianças”.
Fui até a casa dos meus pais, que fica ao lado da nossa, e anunciei o mesmo: “mãe, pai, quero trabalhar com crianças”. Eles ficaram tão confusos quanto o Dudu. Expliquei brevemente como cheguei a essa conclusão e pedi pra minha mãe o telefone de uma amiga, dona de um jardim de infância Waldorf.
Liguei e marquei um encontro pro dia seguinte. Conversamos, contei minha história e ela me respondeu: “Iana, a nossa estagiária avisou que não vai mais trabalhar aqui. Vai pra casa e amanhã me diz como você se sente quanto a isso”. Dormi, acordei e liguei pra ela: “quero muito essa vaga”.
No dia seguinte, lá estava realizando meu sonho de infância: trabalhando rodeada de crianças em uma escola. Apesar de novata, me senti mais segura e preparada que em toda minha carreira de jornalista. Estar com crianças era tão natural que nada me desestabilizava: nem um choro, nem um machucado muito menos uma fralda suja.
Os dias passaram e a empolgação só aumentava. Muitas vezes questionava se era justo ser paga por algo que me fazia tão bem. Acordava todos os dias cheia de energia, e domingos à noite já não eram depressivos – agora eu ansiava pelas segundas-feiras. Então isso é trabalhar com o que se ama?
Crianças sempre foram minha paixão – desde que era uma, já me encantava estar com as ainda menores. Aos dois anos, aproveitava qualquer chance pra sair por aí com minha irmã recém-nascida no colo. Aos doze, ganhei mais uma irmã – e estar com ela e vê-la crescer era dos maiores prazeres da minha adolescência.
Anos atrás, meu pai perguntou porque na minha casa só tinham livros de arquitetura do Dudu: “onde estão os seus de jornalismo?”. Não havia nenhum – mas já havia alguns sobre educação: que agora enchem as prateleiras e preciso me controlar pra não comprar mais.
Vai fazer um ano que mudei pra outra escola Waldorf, dessa vez como auxiliar de professora. Meus companheiros são 22 crianças de três a seis anos- que não cansam de me emocionar – e uma professora – com tanta experiência e conhecimento, que cada dia com ela vale por muitos na universidade.
Trabalhar com pequenos é intenso: demanda presença, atenção e disponibilidade. Quando estou com eles, estou por inteiro, de corpo e alma. Assim como as crianças, meu aprendizado é constante e todo momento é uma oportunidade de ser melhor. Meu maior esforço é para ser digna de receber tamanha entrega, confiança e carinho que depositam em mim.
Faz pouco tempo que estou nesse novo mundo, mas, de verdade, parece que nunca houve outro… Tudo aconteceu tão rápido que não parei pra pensar onde vou chegar. Por enquanto, só quero continuar sentindo essa alegria diária de percorrer um caminho que me sinto tão honrada em trilhar.
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