(Esse post é de uma viagem que fiz a Aimorés, em Minas Gerais, em novembro de 2015)
Ela devia ter a minha idade. Apesar de pequena e magra, seus braços eram fortes e as mãos calejadas. Calçava sandálias gastas e tinha os pés sujos de terra. Encarava a janela do ônibus com os olhos perdidos na noite lá fora. A cada meia hora, me pedia licença para passar. Ía até as poltronas de trás e voltava instantes depois – retomando seu assento e fitando novamente a escuridão.
Após uma eternidade de silêncio, recolheu seus pertences e me disse adeus. Foi pela última vez ao fundo do ônibus e voltou acompanhada de um senhor. Ele se apoiava nela, caminhando com muita dificuldade. Seu corpo era ainda mais magro e seu olhar, ainda mais distante. Desembarcaram no meio da estrada, onde não havia casas, pessoas, nem luzes. Supus que tinham um longo caminho pela frente.
O ônibus de Vitória a Aimorés é um entra e sai de gente. Desconhecidos sentam lado a lado e engatam conversas animadas. Falam sobre a pior seca, os parentes doentes, o preço da comida e, principalmente, sobre o rio marrom – aquele que um dia foi Doce. No começo de novembro, a barreira de dejetos de uma mina rompeu, espalhando desgraça por onde pouca graça havia. A lama chegou à fronteira de Minas Gerais com o Espírito Santo e nos acompanhava pela janela do ônibus.
Tentei imaginar como é viver em meio a tantas adversidades e fui tomada por uma angústia sufocante. Como prosperar em um lugar tão inóspito? A visão da minha irmã na rodoviária me lembrou que eu estava ali de passagem – ela morava em Aimorés para fazer um estágio no Instituto Terra, e eu vim visitá-la. Me senti culpada por pertencer a uma realidade distante dos que me acompanharam naquela viagem. Por que tudo é tão mais difícil por aqui?
No Instituto Terra, percebi que a paisagem ressecada e marrom não é o natural da região. Lá dentro os morros são verdes e cheios de vida. Em 1998, o fotógrafo Sebastião Salgado e sua mulher, Lélia, se comprometeram a reflorestar uma área completamente degradada, que pertencia à família Salgado. Em uma década, recuperaram a vegetação nativa e se tornaram produtores de Mata Atlântica. Minha irmã trabalhava no laboratório de sementes, de onde já saíram 4 milhões de mudas para abastecer outros locais desmatados.
Meus dias ali alternavam entre a felicidade e a tristeza extrema. Nunca vi uma cidade tão humilde quanto Aimorés – falta água, o calor é absurdo, galinhas ciscam na rua, crianças brincam no lixo e adultos apenas sobrevivem. Mas, por outro lado, nunca vi um projeto tão lindo quanto o Instituto Terra – que segue crescendo e espalhando belezas por aí. Mesmo quando tudo parece perdido, há esperanças – mas não sem o esforço gigante de pessoas determinadas em fazer um mundo melhor.
A eles, minha profunda gratidão.
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