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Numa sexta-feira quente e ensolarada, enchemos o carro de comida e tralhas e partimos rumo às nossas férias de verão. Florianópolis é um pouco intensa na temporada e por isso fugimos para Ibiraquera, mais ao sul. Alugamos uma casa pequena e aconchegante, num pedaço de paraíso entre a lagoa e a praia.

Por lá, todo dia era igual – e todo dia era perfeito. Logo cedo, nos juntávamos a outros sonolentos para uma aula de ioga, alongamento ou meditação. De volta em casa, tomávamos café da manhã e caminhávamos pela água morna da lagoa até chegar na praia. No fim de tarde, remávamos de stand up, assistindo ao sol sumir no horizonte.

Numa noite, enquanto jantávamos pizza, uma tempestade chegou de repente. A chuva, o vento e os raios entraram no palco de uma só vez, forçando o enredo direto ao clímax. A potência era tanta que acabou a luz e a água invadiu o restaurante. Apesar do caos, a pizza estava deliciosa – comemos com os pés pra cima e rindo da situação.

No último dia, o sol pintou as nuvens de vermelho. Foi o entardecer mais bonito que já vi, mas não consegui senti-lo. Medos antigos invadiram minha mente, fechando os olhos do coração. Esse ano tem sido de profundo autoconhecimento. Desliguei o piloto automático e percorro um caminho inexplorado, a bordo de um veículo que ainda não aprendi a pilotar. Às vezes sigo confiante, em outras faço um desvio e encontro meus fantasmas – que ignoram que estou de férias e embarcam comigo por mais um trecho.

Frustrada com sentimentos indomáveis, fiquei na praia até o céu apagar. Foi quando percebi que algo estava aceso. Era a esperança – que, mais teimosa que o medo, me avisa é preciso se entregar. Afinal, só há um momento para ser feliz, e esse momento é agora.

(Depois de Aimorés, segui com a minha irmã para visitar as cidades históricas de Minas Gerais)

Na primeira subida, me dei conta que essa não seria uma viagem relaxante. Ouro Preto é uma grande ladeira e requer pernas muito mais em forma que as minhas sedentárias. Na primeira descida, descobri que pra baixo é pior que pra cima. Evitar uma queda demanda – além de força – muita atenção. Não é à toa que as pedras das calçadas são chamadas de pedra-sabão…

Tive a impressão que Ouro Preto é diferente para cada um que passa por lá. É como se a cidade pudesse ser o que você precisar: romântica, agitada, aventureira, melancólica. A minha Ouro Preto foi repleta de história e contemplação. Quando não estávamos visitando museus e igrejas, sentávamos em algum banco e olhávamos ao redor, admirando a paz das montanhas e a beleza das construções.

Mas, como um ex-soldado que grita os horrores da guerra enquanto dorme, Ouro Preto tem algo que não consegue esconder. Assim que chegamos, fui tomada por uma angústia que me acompanhou até o fim da viagem. Em uma noite, acordei apavorada, suando frio e tremendo. Não conseguia lembrar de ter tido um pesadelo. Acho que foram os séculos de sofrimento e injustiça que estão guardados naquelas minas e porões.

Hospedagem: ficamos no albergue Goiabada com Queijo. São três quartos com beliches, uma cozinha e sala comunitárias, dois banheiros e três chuveiros. Foi muito divertido. Trocamos ideias com canadenses, holandeses, franceses, chineses e brasileiros. A dona, a Lidi, tem um astral inabalável e é super parceira. Saímos para jantar com ela uma noite e foi como se nos conhecêssemos há tempos!

Comida: recomendo a pizzaria O Passo (o lugar parece chique, mas as pizzas não são tão caras) e a sopa de abóbora da chocolateria e cafeteria Puro Cacau. Para beber, a cerveja Ouropretana. Já o melhor pão de queijo que provei foi o da rodoviária. 🙂

Passeios: meus preferidos foram o Museu do Oratório, Museu da Inconfidência, passeio de trem até Mariana e o pôr do sol visto da Igreja Nossa Senhora do Carmo.

(Esse post é de uma viagem que fiz a Aimorés, em Minas Gerais, em novembro de 2015)

Ela devia ter a minha idade. Apesar de pequena e magra, seus braços eram fortes e as mãos calejadas. Calçava sandálias gastas e tinha os pés sujos de terra. Encarava a janela do ônibus com os olhos perdidos na noite lá fora. A cada meia hora, me pedia licença para passar. Ía até as poltronas de trás e voltava instantes depois – retomando seu assento e fitando novamente a escuridão.

Após uma eternidade de silêncio, recolheu seus pertences e me disse adeus. Foi pela última vez ao fundo do ônibus e voltou acompanhada de um senhor. Ele se apoiava nela, caminhando com muita dificuldade. Seu corpo era ainda mais magro e seu olhar, ainda mais distante. Desembarcaram no meio da estrada, onde não havia casas, pessoas, nem luzes. Supus que tinham um longo caminho pela frente.

O ônibus de Vitória a Aimorés é um entra e sai de gente. Desconhecidos sentam lado a lado e engatam conversas animadas. Falam sobre a pior seca, os parentes doentes, o preço da comida e, principalmente, sobre o rio marrom – aquele que um dia foi Doce. No começo de novembro, a barreira de dejetos de uma mina rompeu, espalhando desgraça por onde pouca graça havia. A lama chegou à fronteira de Minas Gerais com o Espírito Santo e nos acompanhava pela janela do ônibus.

Tentei imaginar como é viver em meio a tantas adversidades e fui tomada por uma angústia sufocante. Como prosperar em um lugar tão inóspito? A visão da minha irmã na rodoviária me lembrou que eu estava ali de passagem – ela morava em Aimorés para fazer um estágio no Instituto Terra, e eu vim visitá-la. Me senti culpada por pertencer a uma realidade distante dos que me acompanharam naquela viagem. Por que tudo é tão mais difícil por aqui?

No Instituto Terra, percebi que a paisagem ressecada e marrom não é o natural da região. Lá dentro os morros são verdes e cheios de vida. Em 1998, o fotógrafo Sebastião Salgado e sua mulher, Lélia, se comprometeram a reflorestar uma área completamente degradada, que pertencia à família Salgado. Em uma década, recuperaram a vegetação nativa e se tornaram produtores de Mata Atlântica. Minha irmã trabalhava no laboratório de sementes, de onde já saíram 4 milhões de mudas para abastecer outros locais desmatados.

Meus dias ali alternavam entre a felicidade e a tristeza extrema. Nunca vi uma cidade tão humilde quanto Aimorés – falta água, o calor é absurdo, galinhas ciscam na rua, crianças brincam no lixo e adultos apenas sobrevivem. Mas, por outro lado, nunca vi um projeto tão lindo quanto o Instituto Terra – que segue crescendo e espalhando belezas por aí. Mesmo quando tudo parece perdido, há esperanças – mas não sem o esforço gigante de pessoas determinadas em fazer um mundo melhor.

A eles, minha profunda gratidão.

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