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(coletânea de fotos das últimas manhãs de sábado)

Acordo com o peso da Matilda no cobertor. Mesmo aos sábados, o Dudu sai cedo da cama, mas ela fica ali – esperando eu levantar. Assim que abro os olhos, se arrasta até mim para lamber meu rosto. Faço carinho em sua barriga e curtimos juntas mais alguns minutos de preguiça.


O Dudu serve minha xícara de café e me entrega com um beijo. Na cozinha, preparo tapioca, ovo, suco, ou o que der vontade – enquanto ele lava a louça acumulada. Colocamos música e não demora para eu começar a dançar. Seguimos a arrumação rindo dos meus movimentos improvisados.


Raramente comemos na mesa: o Dudu gosta de passear pelos cômodos e eu de sentar no tapete onde bate sol. Já a Matilda continua seu sono no sofá. Lemos revistas, mexemos no celular, ou terminamos o filme da noite anterior. No sábado de manhã tem o que quisermos, menos mau humor.


Não sei por que gosto tanto dessas poucas horas em que fazemos nada – mas um nada que é o bastante. Talvez seja a paz, o aconchego e a sensação de ter tudo que preciso. Não importa o que acontece no fim de semana, é sempre difícil superar a delícia das manhãs de sábado.

Assim que estacionei na garagem do prédio, uma música que gosto tocou no rádio. Sem pensar, desliguei o carro e aumentei o som. Cantei sozinha, bem alto e desafinada, com os olhos fechados e as mãos dançando no ar. Senti cada nota vibrar dentro de mim. Não existia tempo nem espaço, só sensações – e eram deliciosas.


Maio foi assim: repleto de momentos tão insignificantes quanto especiais. O Dudu está no fim do mestrado e por isso quase não saímos de casa. Achei que sentiria falta dos passeios, mas descobri que a cozinha guarda tantas aventuras quanto uma trilha inexplorada – e que quando acabam as receitas, ainda tenho as lãs, os livros e os filmes para desbravar.


Em maio, lembrei que a felicidade está a um pensamento de distância: aquele em que escolho ser feliz. Parece simples e óbvio, mas nem sempre é. Ser feliz é uma escolha que demanda vontade, desprendimento e confiança – e nesse último ainda tenho bastante que trabalhar.


Às vezes é difícil confiar na vida quando há injustiça, doença, violência e tragédia. Sei que minha felicidade não resolve os problemas do mundo, nem me livra dos meus – mas também sei que é a melhor versão de mim que posso oferecer, a mim e aos outros. Afinal, ser feliz não é ser acomodado, é ter ainda mais forças para lutar.


Em maio, perdi a conta de quantas vezes espantei a raiva e o medo apenas com um pensamento positivo. Mesmo quando a realidade é difícil – e as notícias, apavorantes -, o caminho do bem continua dentro de nós. Os desafios sempre existirão, basta escolher como enfrentá-los. Eu prefiro sorrindo.

Quando namorávamos há cinco anos, decidimos fazer intercâmbio. Optamos por países diferentes: eu pela Espanha e o Dudu por Portugal. Parecia o mais sensato a fazer, afinal, dizem que é preciso estar sozinho para curtir a juventude – e estar longe era o mais próximo disso que conseguíamos imaginar.

Só não contávamos com o detalhe que nos encontraríamos todo fim de semana. Cruzávamos fronteiras para estar juntos uma noite, e eu chorava desoladamente a cada despedida. No fim das contas, atravessamos o oceano para descobrir o óbvio: que só cabe a nós opinar sobre o que é nosso.

Nunca saberemos como seria se não tivéssemos nos encontrado ainda na escola. Talvez sairíamos mais, conheceríamos mais pessoas, viveríamos mais aventuras. Com certeza, não teríamos tido tanto amor – um amor que nasceu cedo, mas que cresce a cada dia, todos os dias.

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